quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Do Romantismo à Arte Contemporânea

  O Romantismo foi um movimento artístico, político e filosófico surgido nas últimas décadas do século XVIII na Europa, sendo no entanto considerado por muitos autores como o primeiro momento da arte contemporânea. Caracterizou-se como uma visão de mundo contrária ao racionalismo que marcou o período neoclássico e buscou um nacionalismo que viria a consolidar os estados nacionais na Europa perdurando por grande parte do século XIX.
   Para o poeta Baudelaire o romantismo é arte moderna, é intimidade, é espiritualidade, é cor, é ânsia de infinito. Na música, para Schubert e Beethoven , tal como na pintura, o que importa é o indivíduo e o seu sentimento.  As profundas mudanças incidem mais na maneira como se faz arte do que na ligação com o passado, é portanto um jogo dialético entre passado e presente. Os artistas foram buscar à natureza as suas ideias. O artista moderno pinta o que sente no “seu eu”, um sonho, o fantástico, o inconsciente, mas toda esta irrealidade surge com a aparência da realidade.
Baudelair
Os jardins do séc. XIX ao contrário dos do séc. XVIII, eram deixados crescer livremente, até os caminhos passaram a ser carreiros. O lusco-fusco era a hora preferida. Buscam o amor impossível. Dão mais importância à infelicidade que à felicidade, de certa maneira o prazer e a dor encontram-se. O indivíduo preocupa-se consigo e com a sua existência. Aparece o gosto por lugares ermos, que contrastam com a fragilidade da vida humana. No romantismo exalta-se a categoria do invisível, há uma inspiração para tudo o que está longe. A palavra romantismo passou a estar relacionada com o comum de amor. Gostam da solidão, do vazio das coisas em estado puro, a melancolia e a nostalgia era essencial para o criador romântico poder criar.
Retrato do  artista William Blake pintado por Thomas Phillips
                William Blake – “Satan na sua original glória”

Os grandes artistas românticos diferem muito uns dos outros, William Blake artista e, filósofo e poeta. Pode ser considerado como um realista místico, foi inconformista. William Turner talvez o mais original a pintar paisagem no séc. XIX criou uma nova perspetiva na pintura de paisagem. Prestigiou a luminosidade e a atmosfera na construção de temas dramáticos. Foi nos últimos trabalhos que chegou a conceções mais abstratas livres.

  William Turner - 
William Turner
 Antecipou e prestigiou o impressionismo na organização abstrata da luz.
Henri  Fussli, pintor, desenhador e escritor foi absorvido pelo estudo de Miguel Ângelo, sendo a literatura  fonte de inspiração de muitos dos seus temas. A sua procura pelo sublime tendia do horrendo ao fantástico, foi considerado como um percursor pelos expressionistas e surrealistas.
Henri Fussli - 
Henri Fussli - 
SUBLIMEEste termo entrou em uso no século XVIII, para indicar uma nova categoria estética, que se distinguia do belo e do pitoresco.  (do latim sublimis, "que se eleva" ou "que se sustenta no ar")-, na filosofia de Aristóteles e na linguagem vulgar - grandeza. Segundo Longino (esteta), é a força que faz com que a alma suba, é o maravilhamento em que as pessoas ficam ao se encontrarem no meio de uma tempestade. Não é só o medo, mas também admiração e maravilhamento que faz superar o medo.
Caspar David Friedrich
Caspar David Friedrich
Os quadros no romantismo na 1ª fase do séc. XIX, representam tempestades com uma luz intensa, há nessa pintura uma procura por esse estado de sublime. “o sublime é grande é infinitamente grande”, mas tem que ser elevado moralmente, a obra de arte deve ser universal e deve ser durável (pensamento romano). Com Edmund Burke, estadista, escritor e filósofo, a palavra sublime reentra no vocabulário filosófico e estético com a sua obra "Investigação filosófica sobre a origem de nossas ideias do Sublime e do Belo" de 1757. Distingue aquilo que é belo e aquilo que é sublime, associado à arte.
   Belo é menos que sublime “o belo é uma doçura, uma sensação que depende dos nossos nervos”. Sublime é muito mais do que isso “é tudo aquilo que suscita em nós sentimentos de dor e de perigo”, a dor e o perigo é que vão desencadear em nós as emoções de sublime. Faz nascer em nós uma forte tensão corporal. Para os estetas torna-se difícil definir o que é sublime por ser de tal forma intenso que não se pode descrever. Na teoria de arte contemporânea acha-se que o sublime é aquilo que leva à criação artística. Um dos pintores mais representativos deste período é Caspar David Friedrich.
   Kant não concorda com Burke “o sublime é muito mais elevado - um pouco contraditório”. Pode ser horrível, informe. Produz-nos uma paragem de todas as nossas forças vitais, produz-nos uma sensação de enorme pena de nós próprios que depois se transforma numa emoção geradora de alegria. Há um conflito entre razão e imaginação, destacando-se vitoriosamente a razão. Para Kant o sublime não existe nos objetos produzidos pelo homem, temos que o procurar na natureza. É através da natureza que se faz a ligação entre Kant e a pintura romântica.
Onde há pitoresco não pode haver sublime, o pitoresco reage como inverso e contra a monumentalidade que está associada ao conceito de sublime, e Portugal serve como exemplo, em que o pitoresco se evidenciou de tal modo que o sublime quase não teve lugar. O FEIO pode ser visto como o lado negativo do sublime, na Antiguidade tudo o que era feio era disforme, isto manteve-se até à Idade Média mas aplicado ao pecado. A grande revolução artística e cultural do século XX está associada à ideia de feio.
Marcel Duchamp - Ready mades -  "Fontaine", "Escorredor de garrafas" e "Fresh window"
Os Ready-Made, quando apareceram reagiram à ideia de "feio" ser inútil para categorizar as obras de arte. A noção de "feio" passa a ter um caráter operativo, desmistificando a ideia de que a obra de arte deve ser bonita. No impressionismo, quando os artistas não acabavam as obras, era considerado feio. No séc. XIX a categoria de feio ainda não tinha tomado a forma de um conceito. A pintura que era aceite era mitológica, histórica, os impressionistas foram mal vistos, só era aceite tudo o que era académico. O impressionismo foi também importante para o início do feio. O filósofo Karl Rosencranz escreveu em 1853 uma obra sobre o feio, “Aesthetic of Ugliness” fazendo uma listagem de tudo o que é feio numa visão positiva começando a haver a noção de que o feio é importante para a arte. O “Feio” é: o disforme, repelente, o que é fisicamente repugnante, os rostos deformados, o não rosto e o não corpo, a arquitetura industrial, a violência.
Escola de Barbizon, Corot - "villedavray"
Escola de Barbizon, Manet - "Dejeuner sur l'herbe" -1863
O IMPRESSIONISMO não é um movimento homogéneo, mas sim um encontro entre artistas  profundamente  diferentes  mas com a mesma forma de sentir,  representando  a realidade de uma maneira diferente daquilo que era hábito representar. Os jovens artistas experimentaram uma nova forma de pintar, longe das convenções académicas. No impressionismo há uma viragem importante na maneira de representar o visível, reproduzindo na tela o imediatismo quer temporal quer sensível. A sua intenção é captar o instante de uma realidade em constante movimento talvez para o eternizar como já tinham feito os pintores de Barbizon.
   Os impressionistas aperceberam-se que a luz solar é um elemento poderoso, mas que é constituída por uma série de valores cromáticos puros, por isso fragmentaram a cor para melhor reproduzirem as vibrações luminosas (excluem da sua paleta o preto, como não cor).

   Os IMPRESSIONISTAS começam a pôr em causa a maneira de ver a pintura representando igualmente a natureza, mudava apenas a maneira como separam as cores e a maneira como distribuem a luz.
Edvard Munch - "O grito"
Edvard Munch - "Cinzas"
O EXPRESSIONISMO nasce e propaga-se nos países de língua alemã entre 1900 e 1910. Penetra rapidamente na escultura, arquitetura, artes gráficas, literatura, poesia, música, teatro etc. A poética expressionista reflete a crise de valores de uma Europa capitalista. O conceito de tradição vai-se esvaziando progressivamente sob o impulso do modernismo. É sobretudo uma arte figurativa, é proposto a recuperação das linguagens primitivas, como veículo direto e expressivo. A imagem é simplificada, deformada e brutalizada (Edvard Munch). A linguagem é arcaica mas os temas tratados são atuais. A partir de certa altura o movimento expressionista abre-se, dando origem a influências e a evoluções que vão muito além do grupo inicial.
Picasso - "Les demoiselles d'Avignon"
Picasso - "Guitarra"
APARECIMENTO DO CUBISMO - O Cubismo nasceu fortemente influenciado pela arte primitiva africana e pela obra do pintor Paul Cézanne existindo também uma ligação com a pintura do séc. XIX.


Paul Cézanne - "Montanha Santa Victória vista de Bellevue", 1882
    Havia um excesso de subjetividade na pintura romântica, essa subjetividade era um entrave direto para uma possível relação com a ciência, pois o que se pretendia era novos inventos científicos e técnicos. Deu-se com isto o aparecimento do POSITIVISMO, em que o homem pode alcançar a felicidade baseando-se na ciência. Como consequência disto o artista precisava demonstrar segundo uma metodologia própria da ciência, investigando como um cientista. Assim o artista passa a imitar a natureza, dando origem ao naturalismo. As pinturas do séc. XIX, sejam elas românticas ou naturalistas, representam o exterior, não há uma diferença grande em relação a épocas passadas. Com o aparecimento da fotografia captou-se a realidade tal como ela era, a objetividade da pintura não era nada em relação à objetividade da fotografia. A pintura a partir daqui tem de encontrar uma outra expressão, tem que investigar para interpretar o exterior de outra maneira. É com o CUBISMO no início do séc. XX que se dá uma mudança, e é com a pintura que as grandes mutações teóricas se dão (a escultura continua com as proporções clássicas), a arquitetura utiliza o ferro. O cubismo é um dos movimentos de vanguarda, havendo portanto uma consciência de modernidade, como já tinha acontecido no renascimento.
Braque - "A mesa do músico"
Braque
Com Picasso e Braque passa a existir uma nova teoria e conceção do espaço. Foram  os iniciadores do cubismo, mas nunca utilizaram esse termo, que é uma invenção dos críticos da época para designar a sua pintura. Segundo Emile Bernard o cubismo consistia em “tratar a natureza de acordo com a forma do cilindro, da esfera e do cone”. Os meios de representação da realidade mudam, o indivíduo não está parado diante dos objetos e da realidade, move-se no espaço, o cubismo sintetiza as múltiplas imagens que o olhar transmite. Em 1912 surgem as primeiras colagens e inicia-se a fase designada por cubismo sintético, já não se fragmenta o objeto, dá-se uma imagem que sintetiza as suas formas essenciais. Apolinaire inventa o termo “cubismo órfico”, que tem a ver com o estudo da cor e dos seus efeitos. No sentido tradicional não há uma estética freudiana, mas sim uma teoria freudiana que explica a obra de arte, o homem e a vida humana. Freud escreveu apenas um livro sobre arte, o seu interesse sobre arte era relativo, mas curiosamente esse livro veio a ter uma grande importância na arte contemporânea, o mesmo aconteceu com Marx mas com opiniões completamente distintas. Há nisto um paradoxo, como é que pessoas exteriores à produção artística se tornam decisivos para a arte do séc. XX. Freud é contemporâneo da representação artística do mundo real, não faz leituras simbólicas, interessa-se apenas pelo conteúdo. Fez um estudo da personalidade do artista, dos seus fantasmas e conclui que as pessoas felizes não são artistas, portanto, para ele, a pessoa desenraizada, ou que não está bem consigo, (a infeliz) pode ser artista. Considera também que o meio social pode também ter importância para a produção artística. Para Freud os primeiros cinco anos determinam a nossa vida, depois a vivência da pessoa. ARTE é um sonho acordado, altura em que as defesas estão ativadas. No sonho as defesas não estão ativadas, é possível tirar conclusões com os sonhos, no entanto a leitura não é imediata. O ARTISTA é uma criança, procura resolver os seus problemas psicológicos e procura satisfazer-se com a sua arte, vai sobrevivendo mas continua insatisfeito. Freud considera que somos insatisfeitos (hoje em dia há o culto da insatisfação) mas não somos todos artistas pela falta do GÉNIO, o génio é excecional. O artista é um génio por se tratar de um caso biológico.  No seu livro “Uma Recordação de Infância de Leonardo Da Vinci” fez um estudo sobre o pintor e sobre a obra  “Santa Ana a Virgem e o Menino”. Freud faz uma apreensão da vida de Leonardo, criando um triângulo entre ele a mãe e o pai. No entanto não pode ser apenas um decalque da sua vida familiar, há também desenvolvimentos psicológicos ao longo da vida.  

Leonardo da Vinci - A Virgem e o Menino com Santa Ana

Este texto foi escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico




sábado, 8 de janeiro de 2011

A Fotografia como recordação

 Keith Thomas e Robert McPherson
Keith Thomas e Robert MacPherson
Todos sentimos necessidade de gravar a imagem do mundo que nos rodeia, dos familiares e amigos com quem privamos, dos sítios que visitamos e onde vivemos.
Foto de  Keith Thomas
   Dois médicos escoceses foram precursores neste domínio, embora trabalhando em lugares e com fins diversos. Um deles foi o Dr.Keith Thomas  (1827-1875), ginecologista, que durante três anos fotografou a cidade onde vivia, tirando cerca de 220 placas antes de se retirar em 1856 por razões de saúde e do interesse que os seus doentes lhe mereciam. 
Certamente influenciado pela pena de um dos seus conterrâneos que escrevera “o verdadeiro ar de Edimburgo é devassado por fantasmas” conseguiu captar essa atmosfera nas suas imagens, usando a sua câmara para modular a realidade. Keith foi também um dos primeiros fotógrafos a usar a sobreposição de imagens no mesmo negativo. Edimburgo constituía um excelente cenário para a sua sensibilidade com as suas pedras negras, o claro escuro das paisagens, o silencio das ruas… Tudo isto Keith conseguiu gravar em belas imagens que ainda hoje são admiradas. Com simplicidade atribuía o sucesso das suas fotografias ao facto de ter a paciência de esperar por condições propicias de iluminação, limitando o ato de fotografar a apenas algumas semanas no verão e, devido aos seus afazeres profissionais, em horas pouco habituais: antes das 7 da manhã ou depois das 4 da tarde, “A luz é nessa altura mais suave, as sombras compridas e os cinzentos que tingem a fotografia mais perfeitos e agradáveis”.
Keith Thomas  - Mulher em Doorway

   O outro fotógrafo foi o Dr Robert McPherson (1811-1872), cirurgião de renome, que apaixonado pelo estudo da história da Arte, vai viver para Roma em 1840, abandonando o bisturi pela paleta de pintor e pela atividade de antiquário. Nesta faceta da sua vida descobriu várias obras desaparecidas que foi adquirindo, nomeadamente um Miguel Ângelo que hoje está na National Gallery de Londres.
  Em 1851, é visitado por Keith que o convence a usar a máquina fotográfica para fixar as riquezas arquitetónicas da cidasde. As suas fotografias foram bastante divulgadas e os postais ilustrados que correram mundo atraíram bastante turistas a Roma. McPherson foi o primeiro fotógrafo a ser autorizado a fotografar as esculturas do Vaticano, de que publicou um catálogo em fins de 1863. Os negativos eram de grandes dimensões, o que obrigava a longas exposições. Segundo as suas palavras “Para uma paisagem distante com boa luz, cinco minutos, é suficiente, mas para objetos mais próximos são necessários de dez a vinte minutos e em alguns casos em que a luz é deficiente, por vezes a exposição é de mais de duas horas ou até, num ou noutro caso de um ou dois dias…”
   Mais conhecido pelas fotografias de Roma, McPherson fotografou também Perugia, Assissi e Tivoli. As suas imagens eram verdadeiras obras de arte, testemunhos da realidade, mas foi perseguido pela inveja gerada entre os círculos fotográficos da época. 
Robert McPherson - Queda de água-Tivoli, 1857


   Um crítico chegou a acusá-lo de «falta de precisão matemática»!. Só depois da sua morte a importância da sua obra foi reconhecida. O valor incalculável do levantamento gigantesco de milhares de fotografias sobre a riqueza artística de Roma foi reconhecido num artigo publicado no “Art Journal” onde dizia “ McPherson fotografou Roma com tal pormenor que a pintura nunca poderá pensar alcançar tal perfeição…na luz e sombra destas ruínas reside um sentimento que só a Fotografia consegue captar”.
   Essa mística dos lugares e das pedras, a necessidade do artista fotógrafo ultrapassar a simples captação da realidade do mundo que o rodeia, foram o elo comum entre estes homens que gravaram com amor os locais onde viveram.
Robert McPherson - Templo deVesta Tivoli, 1858
Este texto foi escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico