segunda-feira, 14 de novembro de 2011

MOVIMENTOS ARTÍSTICOS - SURREALISMO


 

 SURREALISMO
 
 Com raízes profundas no dadaismo e na pintura metafísica, o surrealismo foi por excelência a corrente artística moderna da representação do irracional e do subcinsciente. 
 Considerado como um dos fundadores e principal expoente do surrealismo, André Breton influenciado pelas ideias de Freud, defendia uma arte em que era dado ao inconsciente o principal papel como forma de expressar a realidade subjetiva do artista.
   A livre associação e a análise dos sonhos, métodos da psicanálise freudiana, foram a base dos procedimentos do surrealismo.
Sigmund Freud

   O primeiro manifesto surrealista foi escrito por Breton em 1924 dando a conhecer através dele uma nova maneira de compreender a “arte” baseada no “automatismo psíquico”, segundo o qual pretendia demonstrar um “estado puro” em que a transmissão verbal ou escrita ou por outro meio, do funcionamento do pensamento era feita sem controle da razão e desprovida de qualquer preocupação estética ou moral.
André Breton

   Nele propõe o restauro dos sentimentos humanos e do instinto como ponto de partida para uma nova linguagem artística. Para tal o homem teria de ter uma visão totalmente introspetiva de si mesmo e encontrar um ponto onde as realidades internas e externas fossem percebidas de um modo totalmente isento de contradições.
   Segundo Breton foi ele e o escritor Soupault que deram o nome de “surrealismo” a este novo movimento e modo de expressão em honra de Guillaume Apollinaire.
  Neste manifesto são enumerados os princípios do movimento surrealista tais como o a isenção da lógica e a adoção de uma realidade superior, chamada "maravilhoso”.
  No Surrealismo encontramos um apagamento total ou conflito das categorias estéticas tradicionais como belo, o sublime, o horrível, ou uma valorização destas categorias.
Tal como em Spinoza a “contradição” é a mais importante estratégia surrealista. O surrealismo identifica-se através de valores e estados que são puramente internos e que são lapsos de consciência, sonho, associação livre, estados de êxtase, estados hipnóticos e estados de automatismo. Estes estados não dependem da vontade, são do domínio do inconsciente e do sonho.
   O “sonho” não possui a mesma linguagem do pensamento, representa-se simbolicamente por meio de símiles (comparações) e metáforas (associações). O discurso do sonho é semelhante ao discurso poético. Estas formas de representação (símiles e metáforas) fazem parte dum processo de deslocação. No sonho existe uma compactação do tempo e do espaço, tudo e todos podem viver ao mesmo tempo no mesmo sítio. Passado e presente, vida e morte.
Manifesto do Surrealismo

   Para compreender o surrealismo temos duas noções que são o “automatismo” e o
“maravilhoso”. Foi André Breton que em 1924 introduziu a noção de maravilhoso pela primeira vez no seu manifesto. Para ele o maravilhoso assenta em dois princípios: na beleza compulsiva e no acaso objectivo. A beleza compulsiva aparece em 1928 na novela “Nadja” de Breton e o acaso objectivo nas novelas “Les vases comunicants” (1932) e “L’amour fou” (1937). Estes conceitos embora não nomeados ou referenciados, são hoje utilizados na produção artística. Para Aragon e Breton, o maravilhoso é ambíguo e indiscernível, não se sabe se é objectivo ou subjectivo. É algo que encanta os surrealistas não pela sua presença mas pela sua estranheza que resulta duma deslocação envolta em contradição. É a “inquietante estranheza” de Freud, e nela encontramos duas instâncias: Na primeira o maravilhoso como beleza convulsiva, que é uma estranha confusão entre o animado e o inanimado, entre a vida e a morte. Na segunda o maravilhoso como acaso ou repetição que se torna objectivo quando as circunstâncias se mantêm, como na associação de objectos por analogia indecifrável (Brassai). A repetição nos casos patológicos de histeria, ecolalia, etc. Há filmes que ilustram os tratamentos da histeria feitos por Charcot em 1919. Douglas Gordon utiliza também este tipo de filmes.

   Partindo da ideia de “tábula rasa” para definir modernidade, o surrealismo não é moderno porque recupera situações históricas como a herança medieval do “maravilhoso” e do “grotesco” que é aquilo que não se pode nomear, é ambíguo e indefinido, é uma categoria estética da contradição. Assim, o surrealismo embora representando a vanguarda, não é moderno porque não opera uma rotura em relação ao passado, recupera-o. A ideia de modernidade liga-se por seu lado à ideia de revolução que aparece primeiro introduzida pela física e astro-física a propósito da mobilidade dos corpos celestes segundo Galileu. Mais tarde o segundo momento é o da revolução francesa a partir da qual tudo é alterado na sociedade desde a nomenclatura dos meses aos horários laborais e de refeições e à moda. Um terceiro momento foi a revolução russa que se liga ao construtivismo e ao futurismo de Maiakowsky. O “maravilhoso” é um termo que é duplo de “miraculoso” .O miraculoso afecta a sensibilidade duma maneira verdadeira mas tem origem divina. O maravilhoso afecta a sensibilidade duma maneira verdadeira mas não tem origem divina.

   A procura do maravilhoso tem a ver com a 1ª e 2ª Guerras Mundiais e as suas memórias. Para Breton é necessário reencontrar o encantamento (o maravilhoso) face às vicissitudes da guerra. Aos surrealistas não interessa o miraculoso, o divino, mas a essência da origem do mundo. Interessam-se também pela alquímia e pelo método analógico, pela procura de semelhanças. A alquímia parte dum processo de metamorfose interior que tem a ver com a memória colectiva.

   O segundo Manifesto do Surrealismo foi publicado em 1930, e tratava diretamente dos acontecimentos que se sucederam após a publicação do primeiro manifesto, e do esclarecimento da posição política e dos princípios surrealistas. A cumplicidade com os comunistas, e a desconfiança destes e a possível traição que pode ter acontecido por parte de membros que se diziam adeptos do surrealismo, são assuntos tratados nos textos.



“É vital que o homem se passe, de armas e bagagens para o lado do homem”
“Será preciso começar por retirar da guerra todos os seus títulos de nobreza”

   Estas frases foram extraídas de “Arcano 17” texto escrito em 1944 por André Breton, enquanto assistia à libertação de Paris da dominação nazi.


Robert Capa-- A alegria dos franceses na liberação de Paris.
  26 de agosto de 1944



sábado, 30 de abril de 2011

DADA - Documentos de um movimento artístico


Manifesto DADA de Tristan Tzara - 1918
Tristan Tzara
   A palavra mágica – DADA – que para os jornalistas abriu a porta de um mundo nunca visto, para nós não tem a mais pequena importância.
 
 Para lançares um manifesto tens de ter:
  A, B e C e de os detonar contra 1, 2 e 3.

   Melhora-te e alisa as penas das asas de modo a conquistares e circulares os As, Bs e Cs de caixa alta ou caixa baixa, assinala, grita, injuria, organiza a prosa numa forma que seja absoluta e irrefutavelmente óbvia, prova o seu nec plus ultrae afirma que as inovações se parecem com a vida do mesmo modo que as últimas aparições de uma meretriz provam a essência de Deus. A sua existência já tinha sido provada pelo acordeão, a paisagem e as palavras suaves.
    Impor o próprio A, B, e C é normal – e por isso lamentável. Toda a gente o faz, em forma de madona de falso cristal, ou através de um sistema monetário, ou de preparados farmacêuticos, sendo uma perna nua um convite
a uma Fonte ardente e estéril. O amor à inovação é uma espécie de cruz agradável, a sua evidência de uma atitude naïf do não-quero-saber, uma passagem, positiva, um sinal sem qualquer nexo. Mas esta necessidade também não é do seu tempo. Ao dar à arte o ímpeto supremo da simplicidade – a inovação – estamos a ser humanos e verdadeiros na nossa relação com os prazeres mais inocentes; com a impulsividade e a vibração que crucificam o tédio. Nestes iluminados e atentos cruzamentos, em alerta, que esperaram durante anos, na floresta. Estou a escrever um manifesto e não quero nada, e contudo digo certas coisas, e por princípio sou contra princípios (que quantificam a medida dos valores morais de cada frase – isso é demasiado fácil; a aproximação era papel dos impressionistas).
   Ou contra manifestos, tal como Escrevo este manifesto para demonstrar que se podem realizar acções opostas ao mesmo tempo, num único, e fresco movimento. Sou contra a acção; e em relação à contradição conceptual, e à sua afirmação também, não sou contra nem a favor, e não me vou explicar, detesto o senso comum.
DADA – é uma palavra que atira as ideias ao ar de modo a que possam ser abatidas; todos os burgueses são dramaturgos que inventam diferentes assuntos e que, em vez de situar determinadas personagens ao nível da sua inteligência, como crisálidas em cadeiras, tentam encontrar causas e temas (de acordo com o seu qualquer método psicanalítico que praticam) para dar peso ao seu argumento – uma história que se define e se conta a si própria.
   Todos os espectadores são argumentistas, se algum deles tentar explicar qualquer palavra (a saber!) do seu fortificado refúgio de complicações tortuosas, permite que os instintos sejam manipulados. Daí as angústias da vida conjugal.
Para sermos directos: o divertimento de barrigas vermelhas nas azenhas de crânios vazios.

DADA NÃO QUER DIZER NADA !

Capa da revista do movimento dadaista





Aplicações da FOTOGRAFIA – Ciência

A descoberta do raio X


No princípio de Janeiro de 1895, o professor Willhelm Conrad Roentgen da Universidade de Wurtzbourg realizou a mais paradoxal das descobertas, a de um processo que permitia fotografar objectos dissimulados atrás de ecrãs completamente opacos. O jornal francês “Le Rappel” divulgou assim esta espantosa notícia pela primeira vez aos seus leitores sobre as experiências do sábio alemão, enviada pelo seu correspondente em Viena:

Professor Willhelm Roentgen
   “ Viena, segunda-feira, 6 de Janeiro de 1895.
   Mr. Roentgen, professor da Universidade de Wurtzbourg, fez uma descoberta das mais importantes, cujos detalhes chegaram já a Viena, e que diversas celebridades científicas examinam com a maior atenção.
   Mr. Roentgen serviu-se da luz emitida por um tubo de Crookes, no qual fez o vácuo; uma corrente eléctrica atravessa-o e actua sobre uma placa fotográfica normal. Os raios luminosos invisíveis, cuja existência foi já demonstrada, oferecem então a particularidade de poderem atravessar a madeira e outras substâncias de matéria orgânica, embora não possam atravessar os metais e os ossos de animais e seres humanos. Ele serviu-se destas particularidades de ser possível fotografar os ossos e os metais que serão tapados por madeira ou lã. Além disso, sendo a carne humana uma matéria orgânica, os raios luminosos invisíveis emitidos por um destes tubos de Crookes actuam sobre ela como sobre a sua cobertura e é, portanto, possível fotografar os ossos de uma mão, por exemplo, sem que a carne que os cobre apareça na placa. Há já aqui em Viena fotografias feitas assim.

   Mostram os ossos da mão com os anéis que traziam (os metais, como disse não são atravessados pelos raios) mas mostram mais do que isto.
   Não são agradáveis de ver, mas sob o ponto de vista científico, isto abre um vasto campo à ciência.
   Entre as aplicações desta nova descoberta está assente que se tornou imediatamente possível aos cirurgiões determinar, com a ajuda deste novo método fotográfico, a posição exacta de uma bala que esteja alojada no corpo humano, ou de tornar visíveis as fracturas dos ossos antes de começar uma operação. E há outros casos muito variados aos quais este método pode ser aplicado, por exemplo no caso de uma doença óssea.”
In “Le découvert des Rayons X – George Vitoux, 1896”

A primeira radiografia
Roentgen era engenheiro mecânico formado em 1868 na Escola Politécnica de Zurich. Entretanto, apesar de nunca ter frequentado um curso básico de Física doutora-se em Filosofia com a tese “Estudo sobre Gases”. O seu grande interesse por experiência sobre mutações físicas, o ensino e, a grande habilidade de conduzir pesquisas sobre os raios catódicos aproximou-o de outros pesquisadores como: Hertz, Hittorf e Crooks e, com eles desenvolveu experiências que permitiram comprovar os efeitos desses raios sobre placas fotográficas. Em 8 de novembro de 1895, Roentgen repetiu a experiência de Lenard empregando um tubo de Crookes provido com um tipo de máscara. Trabalhando em seu laboratório caseiro verificou que uma parte dos raios catódicos produzidos escapava do tubo passando pela máscara. 
Tubo de Crookes
Da mesma forma que Lenard fizera, colocou uma lâmina de alumínio delgada, revestida com uma película de platinocianeto de bário, próxima da máscara do tubo de Crookes comprovando que através da máscara haviam escapado raios catódicos suficientes para provocar uma leve fluorescência. Intrigado com o fenómeno, Roentgen começou a pesquisar se seria necessário abrir uma janela na parede de vidro do tubo para que os raios catódicos escapassem. Como os raios catódicos eram invisíveis, pensou que seria necessário usar um tipo de tela para a sua detecção. Entretanto, como achava que haveria um menor fluxo de raios catódicos emanando da parede de vidro do que através da máscara coberta com tiras delgadas de alumínio devido à intensa luminosidade do tubo de Crookes, pensou que talvez não fosse possível observar a ténue fluorescência da tela. Assim, Roentgen cobriu o tubo de Crookes com um cartão negro para impedir toda a luminosidade indesejada além de obscurecer o ambiente do seu laboratório.
   Ao excitar o tubo, verificou uma emanação amarelo-esverdeada cintilando intensamente. Incrédulo, repetiu a experiências por diversas vezes concluindo que o cátodo do tubo não era responsável pela fluorescência convencendo-se finalmente que se tratava de um raio desconhecido o qual foi por ele denominado de raios-X.
   Na realidade os raios-X são um tipo de onda eletromagnética  duma determinada porção do espectro de radiofrequência, consistindo numa rápida variação dos campos de força e eletromagnético. Logo após a descoberta dos raios-X, concentraram-se esforços para sua aplicação na medicina. Originalmente, o diagnóstico por Raios-X era indicado apenas para ortopedia. Os primeiros anos da sua descoberta foram de tentativas e erros devido à precariedade dos equipamentos e, principalmente do desconhecimento dos seus efeitos sobre os seres humanos. Entretanto, já na segunda década do século XX registaram-se grandes avanços como o do aparecimento de dispositivos geradores de raios-X, conhecidos como ampolas, agora mais elaboradas, além de sistemas de cálculos para controlo da dosagem. Assim, para roentengrafias de qualidade satisfatória do sistema ósseo a excitação do aparelho exigia baixa tensão de corrente, cerca de 70 kV. À medida que o conhecimento da técnica roentengráfica se aprofundava começou a ser aplicada para diagnósticos em outras áreas como, gastrenterologia e pneumologia. No diagnóstico de doenças do tórax, como por exemplo da tuberculose, em virtude das áreas em observação serem móveis e profundas, exigia excitações com tensões mais elevadas e menor tempo de exposição surgindo assim a fluoroscopia. Os novos aparelhos surgidos desta crescente tecnologia aliados com o processo de contraste eram agora capazes de focalizar a área de observação com grande precisão, permitindo identificação de abscessos profundos como tumores malignos, fraturas etc.
   A descoberta de Roentgen foi a primeira grande aplicação dos fenómenos elétricos em
medicina sendo a precursora da moderna radiologia e, do diagnóstico por imagem com a invenção em 1972 da tomografia axial transversa computorizada.
A descoberta dos raios-X foi uma consequência direta da avançada evolução da Física no campo da Eletrologia ocorrida no final do século XIX, que paralelamente abriu novas possibilidades de pesquisa e, assim, permitiu que as ténues correntes de origem biológica começassem a ser medidas e registadas com maior precisão.
William Crookes
  Usando um dispositivo conhecido como tubo de Crookes, o raio catódico foi descoberto por William Crookes que nasceu em Londres, no dia 17 de junho de 1832 e se afirmou como químico e físico. Frequentou o Royal College of Chemistry em Londres e trabalhou na área da espectroscopia.
   Durante as suas experiências Crookes deixou acidentalmente algumas embalagens contendo chapas fotográficas virgens próximo onde havia instalado o seu tubo.
   Algum tempo depois, ao usar estas chapas fotográficas verificou que algumas tinham sido sensibilizadas. Entretanto, nunca lhe ocorrera que a sensibilização das películas pudesse ser uma consequência da radiação emanada do tubo rarefeito. A história da ciência esta repleta de subtilezas, pois da mesma forma que Crookes, outro físico de renome, Phillip Lenard, não percebeu porque é que uma lâmina delgada de alumínio revestida com uma película de platino cianeto de bário ficava fluorescente na presença de raios catódicos produzidos pelo tubo de Crookes quando na sua proximidade. 
Aparelho primitivo de raio X




sexta-feira, 18 de março de 2011

PERCEPÇÃO E EXPERIÊNCIA ESTÉTICA



  A percepção é o acto básico da mente, em que estão envolvidos dois aspectos principais, o sujeito e o objecto ou acontecimentos (dos quais fazem sempre parte os objectos).
   O objecto é externo e está normalmente separado da mente embora as lembranças e associações que remetem para o objecto façam parte dos dados memorizados por nós.
   É para o objecto, seja ele de que natureza for, que converge a nossa percepção, que é traduzida em estímulos e sensações captados pelos sentidos: visão, tacto, audição, olfacto, paladar, etc. Mas é a percepção visual que interessará analisar em primeiro lugar.
   O campo de visão apreende normalmente um conjunto de objectos e não um só, o que transforma a percepção num acto de discriminação. O cérebro recebe assim a reflexão de objectos que deixam as suas marcas que poderão mais tarde ser «relembradas» pela mente que tem a capacidade de as reproduzir. Estes vestígios do conhecimento que temos do objecto irão completar pela sua relevância o modelo exigido, através de processos de associação. Esta associação liga um acto presente de percepção a outros do passado que estão armazenados na mente e que são relembrados pela memória, mas nem sempre esta associação é directa e consciente, por vezes provém de elementos escondidos na mente inconsciente.
   Os fenómenos perceptivos são normalmente vistos segundo três atitudes ou pontos de vista da psicologia, que se ligam tradicionalmente ao estudo fisiológico, à teoria gestáltica e à teoria behaviorista.
   Do ponto de vista fisiológico existe uma tentativa de reduzir os fenómenos da percepção aos mecanismos neuropsicológicos. Do ponto de vista gestáltico dá-se ênfase às forças centrais hipotéticas, no sentido de abranger um vasto campo de fenómenos perceptivos. Do ponto de vista behaviorista salienta-se o papel da aprendizagem no comportamento perceptivo. Estes três pontos de vista não se excluem uns aos outros na compreensão da percepção mas completam-se.
   Embora os pontos de vista fisiológico e behaviorista sejam importantes, não são os que mais importa focar agora, sendo antes o que se relaciona à «forma» (gestalt) o que interessa mais à percepção estética.
Max Wertheimer
   A teoria da Gestalt é baseada nas investigações e textos produzidos por Max Wertheimer, Kurt Koffka e Wolfgang Kohler que concluem que as partes são definidas pelo todo e que toda a experiência, incluindo a experiência estética, está relacionada com certas estruturas básicas que não podem ser subdivididas. 
 Wolfgang Kohler
A Gestalt opõe-se à ideia de «empatia», ou seja, sustenta que nós não projectamos na obra de arte as nossas qualidades estéticas e emocionais, mas que são essas qualidades que lá se encontram à nossa espera.

   Segundo Koffka, a percepção é artística. “ Sob o impacto de um mosaico de estimulações que invadem as retinas dos olhos, o sistema nervoso do organismo produz processos de organização de modo a que o modelo produzido seja o melhor possível nas condições existentes ( a «boa-forma» ) ... A percepção tende para o equilíbrio e para a simetria; ou de outra maneira, o equilíbrio e a simetria são características perceptuais do mundo visual que serão compreendidas, sempre que as condições exteriores o permitirem; quando assim não é, o não equilíbrio, a falta de simetria, serão experimentados como uma característica de objectos ou de todo o campo, juntamente como uma necessidade sentida de melhor equilíbrio.  “ A estética é pois considerada como um factor de sentimento na percepção conjuntamente com outros processos mentais, ou seja “ Uma disposição para sentir a perfeição de um acontecimento experimentado como sendo certo e adequado, constitui aquilo a que temos chamado o factor estético da percepção. “ (segundo Koffka)
   “ Toda a graça e movimento e harmonia da vida - a disposição moral da própria alma – são determinadas pelo sentimento estético, pelo reconhecimento do ritmo e da harmonia. (...) “A ausência de graça, de ritmo e harmonia está intimamente ligada a um mau estilo e a um mau carácter.” (Platão)

   A percepção estética não se limita apenas ao que o espectador vê na obra de arte, mas existe antes da obra existir, ou seja, é o artista que em primeiro lugar percepciona esteticamente a obra.
   Perante a tela nua, o pintor antevê mentalmente o que nela irá aparecer ao seu olhar e aos demais olhares a que será exibida, embora nem sempre o resultado final seja exactamente o que foi pensado no início, pois a obra vai surgindo através da sua estrutura e das forças e tensões recíprocas das linhas, manchas, formas e cores que se vão construindo e sugerindo umas em relação às outras. A obra vai-se desenvolvendo através do aparecer e desaparecer, do construir e anular, do fazer surgir, do apagar e do refazer constantes, dos acidentes ou incidentes até que por fim se dê por terminada.
   A experiência estética comporta em si duas vertentes, a emocional e a perceptiva (dos sentidos) que se completam e que nos ajudam a compreender a obra de arte. É a experiência da compreensão que normalmente referimos quando analisamos uma obra e a fruímos esteticamente. A emoção confunde-se então muitas vezes com a compreensão, remetendo-nos para campos diversos como a reflexão ou o pensamento. Este modo de nos relacionar-mos com os objectos e o mundo que nos rodeia, reporta às origens da metafísica de Platão que, segundo ele, estava dividido em dois campos, um o da tranquilidade e dos sentidos, no qual não existe um conhecimento verdadeiro, mas uma “opinião” (do domínio da “doxa”) o outro é o do conhecimento verdadeiro, da certeza, da ciência, das ideias, (ou formas) é o campo intelectivo.
   Para se entender o que é uma experiência estética têm necessariamente de ser referenciadas algumas categorias essenciais como a forma, a metáfora e o sentido que estão intimamente relacionadas.
   Quando se pensa numa forma, temos sempre a sensação de que a forma dum objecto artístico existe como substituição para uma ideia, porque estamos sempre à espera de encontrar um sentido. Portanto a forma é um processo de substituição de sentido, ou seja, é algo que é um processo de substituição para uma ideia, porque estamos sempre à espera de encontrar um sentido. A forma é um processo de substituição de sentido, ou seja, é algo que é substituído por aquela forma que é uma metáfora de algo. O processo artístico é por isso um jogo constante de presenças metafóricas de substituição de sentidos. Assim, o processo de produção de sentidos é uma articulação e remissão entre sentidos e referências de sentidos, é um processo metafórico. Tanto na arte como na linguagem, não existem sentidos literais, porque ao falarmos, também falamos de coisas que ilustram referências a outras coisas.




A IMAGEM NUA E AS PEQUENAS PERCEPÇÕES

A IMAGEM NUA

Segundo José Gil, a imagem nua é toda aquela a que falta a significação verbal e que tende e apela ao sentido.
José Gil
Estamos então (segundo J.Gil) mergulhados num mundo de imagens-nuas, sendo a maior parte das nossas percepções e dos nossos sonhos compostos por elas, a que se associam pensamentos imperceptíveis, os chamados «pensamentos voadores» (Leibniz) que teriam mais tarde muita importância na associação livre e na cura analítica e no material imagético das técnicas de publicidade, do cinema e das artes. São elas que transportam significações mudas e informações mais ricas por vezes que as mensagens verbais.

Gottfried Leibniz

 As imagens-nuas arrastam consigo conteúdos não conscientes de sentido, de não consciência, mas não do inconsciente freudiano.
   Estas imagens produtoras de «pequenas percepções» estão associadas a forças e provocam um apelo de sentido estimulando o espírito à procura da significação verbal ausente que irá preencher o seu vazio ou nudez.
   Nalgumas obras, como os readymade de Duchamp, o apelo ao sentido é neutralizado pela inadequação das inscrições ou títulos que lhes são postos. Gera-se assim uma oscilação entre imagem e inscrição, na procura dum sentido entre uma e outra que nunca se encontra. No urinol ( Fonte ), faltava o jacto de água (ou urina) , no “Porta garrafas” não existem garrafas, etc.
   Duchamp problematizou não só aquilo que se entende por obra de arte, expondo objectos de uso comum, mas a adequação da palavra à imagem. O título ou inscrição não ajuda à compreensão do objecto, não supera aquilo que falta à sua compreensão, não o completa, mas por outro lado reforça essa falta nomeando-a verbalmente e neutralizando o apelo ao sentido através dessa inadequação entre imagem e título.
   Aqui não se trata de imagens-nuas, porque o visual não corresponde à palavra, porque esta não atribui sentido ou significado ao objecto que nos é dado a observar e é através da oscilação e da procura de sentido entre estes dois elementos que Duchamp nos mostra que uma obra adquire sentido quando existe uma certa relação com o seu sentido verbal.
   A introdução das noções de «força» e «inconsciente» modificou os conceitos clássicos da fenomenologia, principalmente os de «visível» e «invisível.
   Existe uma confusão e querela entre o estatuto do invisível e dos seus níveis ontológico e fenomenológico a que Merleau Ponty não conseguiu dar uma resposta definitiva. Ele não identifica totalmente o invisível com o inconsciente, deixando indeterminada essa definição, ou remete o visível para a fenomenologia e o invisível para a ontologia.
Merleau Ponty
   Merleau Ponty não conferia ao «invisível» uma autonomia clara. Para ele  o invisível “é a impercepção da percepção”,  para J.Gil o invisível “ é o experimentar de modo inconsciente, é um experienciar para além da consciência .” Existe assim, segundo J.Gil, um risco em deixar suspensa a apreensão do invisível da presença do visível. Para ele a percepção do invisível é uma “visibilidade segunda”, é o “avesso” do visível (o forro deste).
   É na estética que a percepção do invisível se torna central, pois é na arte, (principalmente na pintura segundo P. Klee) que reside o destino de tornar o invisível, visível, pois é no segundo que se descobre o primeiro. A estética vê o invisível à partida.

   AS PEQUENAS PERCEPÇÕES

“As pequenas percepções são afins da percepção artística, são sensações ínfimas, imperceptíveis que acompanham a apreensão de uma forma (pictural, musical ou outra) “ (José Gil)
   Para José Gil a percepção estética, enquanto sistema perceptivo instável é revelada através das “pequenas percepções”. Estas são sensações ínfimas, imperceptíveis situadas no centro da própria percepção, também definidas por «fenómenos de fronteira ou de limiar» e são fenómenos “não- conscientes” para os quais terá de ser formulado um novo conceito de experiência, mas não a experiência do sujeito consciente.
   “As pequenas percepções garantem a passagem do não-verbal ao linguístico (dum ritmo cromático a um ritmo poético, do gesto verbal ao gesto corporal) Os «signos intervalos» surgem quando se manifesta uma fusão significante/significado ou relação (adequada ou não) entre um título dum quadro e a imagem que o designa. Estes são sempre aderências (ou restos) da expressão ao conteúdo ( e vice versa)." 
(José Gil)
   O fenómeno «não-consciente» da comunicação artística caracteriza-se por ser próprio de «fenómenos de limiar» ou de fronteira. Estes fenómenos são apreendidos numa primeira aproximação como pertencentes ao campo das pequenas percepções e não possuem espaço de operatividade próprio, pois dependem em geral do movimento destas por se situarem na fronteira que separa e sobrepõe a consciência e o inconsciente. A ideia do “não-consciente” implica, através das pequenas percepções a consideração das forças e não das formas, ou do modo como as primeiras se inscrevem nas segundas, revelando-nos um fenómeno artístico definido por uma percepção de forças.
   Na articulação da noção de “força” e de noção de “pequenas percepções”, reside a autonomia conferida ao invisível, segundo José Gil, o que não acontecia em Merleau Ponty, onde o invisível (polo negativo) dependia do modelo perceptivo do visível (polo positivo). As noções de “força” e “intensidade” vêm assim transformar as noções clássicas de “visível” e “invisível” .
   “ A experiência estética é antes de mais nada uma experiência específica de dissolução do sujeito. É uma experiência de forças e intensidades, porque implica processos de intensidade e génese de formas que constituem a própria emergência dos signos. Sou contra uma estética que semiotiza completamente a obra, porque me parece que o que se joga na obra de arte é precisamente como nascem, como se formam os signos”
   “O olhar está sempre em oscilação entre uma percepção das formas tal como elas se apresentam e uma percepção que não é trivial. Esse equilíbrio instável é próprio da estética. Olhamos para um quadro e vemos aquilo que nos é dado pela percepção trivial. De repente o olhar tem uma espécie de vertigem e passa para um outro olhar, é aí que a percepção deixa de ser trivial e se torna estética. Ao mesmo tempo aparecem as pequenas percepções, que não são da ordem da claridade perceptiva, estão (tal como o inconsciente) no centro da claridade e da consciência, mas são estas pequenas percepções as vias de acesso que revelam os outros sistemas perceptivos meta-estáveis. ” (José Gil)



A DEFINIÇÃO DA ARTE E O OBJECTO ARTÍSTICO



   Existe cada vez mais uma enorme dificuldade em definir aquilo que é ou não é «arte». As práticas e objectos a que se pode dar a denominação de obra de arte são em tal número e diversidade que é difícil, senão impossível, proceder a essa classificação e encontrarmos um consenso e critérios que a definam.
   Este consenso, no qual se irá fundamentar a estética da modernidade, é difícil atingir e varia com a época histórica, a sociedade e a passagem do tempo. Do ponto de vista sociológico é considerado como «arte» aquele objecto que uma comunidade reconhece como tal, o que é manifestamente insuficiente como critério de classificação por se poder questionar com facilidade. Porquê aquele objecto e não outro?
   Do ponto de vista histórico, o consenso atinge-se mais facilmente quando se analisa uma obra que não é nossa contemporânea. Existe sempre menos consenso (ou não existe) acerca das obras hodiernas ou recentes. O consenso aumenta portanto com a distância temporal, embora cada época histórica tenha um ponto de vista diferente, que pode ser sociológico, filosófico ou ideológico. Para Marx a ideologia filtra os conhecimentos que temos acerca do mundo, tornando-se num mecanismo que nos mostra dum modo dirigido e alienado aquilo que nos rodeia. Do ponto de vista filosófico teria de se partir de um modelo de comparação tomado como «arte», ou escolher um modelo (de entre muitos) que reunisse as características essenciais. O problema do consenso é posto também em relação ao juízo de gosto que é discutível. Kant na Crítica da Faculdade de Julgar coloca o problema da relação entre o sujeito e o objecto, dizendo que ao julgarmos esse objecto “belo”, estamos a chamar “belo” à sua representação e às memórias que temos doutros objectos e não ao próprio objecto.
   O conceito de «arte» a sua fruição e juízo, assim como as oscilações do gosto que lhes estão associados traduzem-se em diversos tipos de emoções estéticas e adquirem vários significados e valores ao longo do tempo conforme a época e a evolução das sociedades e cultura em que são produzidos.
   A obra de arte evoluiu com o tempo e com as mudanças religiosas, sociais e políticas. De início considerado como objecto ritual e mágico e depois objecto de culto, «sagrado» inacessível e afastado do homem, que servia de veículo de representação às ideias e manifestações espirituais das diversas religiões, passou mais tarde a objecto «belo», mais acessível, acerca do qual se emite um «juízo» e de cuja fruição através da percepção (e simultaneamente da dissolução da percepção) se obtém um «prazer».
Para José Gil “ a percepção da obra de arte não é um misto de prazer e de cognição nem um acto que visa um fenómeno particular visível, descrito segundo os conceitos clássicos da teoria do conhecimento. É um tipo de experiência caracterizada pela dissolução da percepção. O espectador vê primeiro como sujeito percepcionante e depois dum modo que o faz participar na obra.”
   A origem da «aura» da obra de arte está, segundo Walter Benjamin, no carácter de inacessibilidade do objecto de culto, «sagrado». Com a substituição dos valores culturais a «aura» passa a ser diferente através do culto da beleza e da autenticidade. A função mais artística da obra é assumida pela maior proximidade com o público. A obra de arte deixa de ser venerada como objecto sagrado, distante e absoluto e submete à nossa apreciação e análise do pensamento aquilo que é representado, e a função e importância que tem para nós.
   Para Kant, o juízo estético não é legislativo, não deve ser feito fora da presença do objecto, deve ser desinteressado e feito em liberdade.
   A obra de arte desperta em nós não só um prazer imediato mas um julgamento acerca da «ideia» que lhe está subjacente, do seu conteúdo, dos meios expressivos utilizados, e da adequação recíproca destes elementos.
   Com o advento da reprodução mecânica que revolucionou os meios de produção dos objectos e a invenção da fotografia e do cinema, a «aura» que envolvia o objecto artístico perdeu-se com a anulação da distância entre este e o sujeito. A partir daí o sujeito participa do objecto que lhe é cada vez mais acessível, pela maior proximidade e democraticidade do consumo.
    O conceito de eternidade intemporal de obra de arte, foi posto de parte por Umberto Eco, que procurou articular dois conceitos: a estética e a sociologia, provando que por definição, uma obra de arte tem de ser um sistema aberto próximo da ideia de sistema aberto numa não determinação. Assim, a obra de arte, tem em si, como qualquer sistema, a característica de abertura, uma troca de informação entre a organicidade do sistema e tudo o que a rodeia (o seu ecossistema). É posta a tónica na leitura ou fruição duma obra, como acto de seriação constante, entra em fechamento, em entropia e morre. A ideia de obra como objecto que não tenha trocas com o ecossistema é contrária à ideia de obra de arte pois os fluxos sempre possíveis de serem dinamizados fazem com que a obra viva eternamente. Este fechamento e abertura coloca implicitamente a ideia de ordem e desordem, sendo qualquer artista um provocador de roturas e estas a emergência do novo.
   Segundo Umberto Eco, a arte pode provocar desordem no interior do paradigma ou na emergência do novo. A ordem é o problema da metonímia, o discurso da continuidade, fechado. Um discurso aberto, que é o discurso da obra de arte, é um discurso descontínuo, metafórico e altamente ambíguo. É a própria sociedade na sua dinâmica que instaura paradigmas e consubstancia uma estética que define uma obra como arte.   
   Os vários tipos de leitura/fruição da obra desencadeiam processos de categorização (actos discriminatórios) na forma como se vai construindo uma obra de arte. Estas fruições têm a ver com as várias culturas, hábitos, crenças, tradições, conhecimentos e cognições que os fruidores têm em cada momento de fruição. Quantas mais leituras, mais perspectivas, novas relações, nenhuma sendo conclusiva ou exclusiva mas complementares.
   Considerando as características dos diversos fruidores e a sua quantidade, haverá sempre novas perspectivas e consequentemente novos conteúdos informativos.
   O objecto de arte segundo Umberto Eco é altamente informativo para além de comunicativo. Cada leitura cria uma tensão dinâmica entre o máximo de compreensão necessária para acedermos a essa obra. A sociedade necessita de um certo tempo para aprender e descodificar a emergência do “novo”.
“ O objecto cultural em qualquer das suas modalidades, é sempre mais instável e polémico do que parece, porque nele se intersectam múltiplas percepções e assim nele se realiza a própria interacção cruzada entre quem o propõe, quem o avalia, quem o procura: a percepção do criador sobre a sua obra, percepção dos pares onde primeiro circula e dos que a julgam, percepção dos públicos que com ela se enfrentam. Obra aberta portanto, de fechamento partilhado com cada um dos interlocutores a acabando por si, quantas vezes, no limiar de horizontes incoincidentes. E obra aberta ainda na medida em que a incessante reconstrução dos modos de ver, ouvir, entender e sentir faz parte das oscilações históricas do gosto, tornando frágil, precário e provisório todo o tipo de fechamento.” (Idalina Conde)




quinta-feira, 3 de março de 2011

ARTISTAS PORTUGUESES - JÚLIO POMAR



Júlio Pomar

   
A década de 80 é considerada das mais importantes na obra de Júlio Pomar, quer pela sua qualidade e quantidade , quer pela variedade de temas que aborda , que vão desde os aspectos da cultura popular expressos em trabalhos realizados após as viagens que fez ao Brasil em 87 e 88, até temas de carácter mais erudito, como as séries “Os Tigres”, a “Mitologia”, os “Corvos” e os “Retratos” ( Camões, F. Pessoa, Mário Soares,etc.)
"O Luxo", 1979, Tela da série "Os tigres"- Júlio Pomar
   Muitas destas obras foram feitas e refeitas por diversas vezes antes de dadas por terminadas . O artista exerce uma autocrítica constante sobre a sua obra, levando-o  num processo simultaneamente aditivo e subtractivo, a fazer e desfazer, a pintar e repintar o trabalho até que ao seu olhar surja por fim concluído.
"Mascarados de Pirenópolis XIV", 1987 - Júlio Pomar
   Nos seus quadros existe um permanente apelo não só ao que é do domínio da experiência perceptiva , mas também do domínio do táctil. Segundo ele,” a pintura passa antes de mais pelos olhos ” e diz também que “ o olho passa pelo comércio da mão, pelo tocar , a pintura é táctil é um convite à mão “.
    Para ele a pintura é um conjunto de marcas de uma ou mais matérias coloridas sobre uma superfície que pode vir a produzir uma imagem. O conjunto das linhas, manchas de cor e texturas dadas pelos empastes de tinta , relacionam-se sempre duma forma dinâmica pela alternância entre figura e fundo.
   Frequentemente, na sua obra,  o que nos é dado à percepção é uma troca constante entre o que é forma e o que é espaço.
   Embora nas suas obras exista sempre uma presença da imagem figurativa, esta não pode ser considerada nos moldes tradicionais e académicos. Existem dois aspectos diferentes que fazem a sua pintura, por um lado a presença dum tema aglutinador à volta do qual a obra se vai construindo  com figuras por vezes incongruentes ou aparentemente sem relação ( como os tigres com guarda-chuva de 79/80 ) com raízes certamente no Surrealismo, por outro lado o método de trabalho que está ligado ao Expressionismo Abstracto .
Retrato de Mário Soares - Júlio Pomar
   É precisamente para  a simbiose figurativo / abstracto , a meu ver uma das características de maior importância na sua obra , que tento chamar a atenção através da abordagem dos seus trabalhos mais recentes, nomeadamente no que se refere à percepção e à importância das pequenas percepções e das suas propriedades do “invisível sensível” (de que fala M. Ponty). Na leitura das obras as pequenas percepções  podem desempenhar , segundo José Gil, um papel idêntico a um código de tradução que traduz de imediato o não verbal noutra linguagem não verbal; as cores em sons, as figuras em gestos, a pintura em poesia, etc.
   Para Pomar é no «ver» que a imagem habita prioritariamente e para ele é esse o ofício do pintor, «ver», o que o leva a alterar  a tela e a recomeçar de novo inúmeras vezes, até que a evidência legível do objecto primário se desvaneça, se dilua noutras formas e noutros modos de ver. “Mutação e “Transformação” são  pois para ele os processos operatórios .
   Somos então levados a «ver» de dois modos diferentes correspondentes a duas atitudes perceptivas. Uma em que encontramos os sinais, as ínfimas percepções, as sensações que restam e acompanham a apreensão da forma, do objecto do qual temos conhecimento prévio ou que se  relaciona com o título ou tema da obra , outra em que olhamos apenas as formas simplesmente, por si próprias, desligadas de outro sentido que não sejam elas próprias e a que José Gil chama atitude “pré-estética” ou de abstracção.
Júlio Pomar no seu atelier
   A estrutura das suas obras contém em si uma desarticulação ou desestruturação. As formas assumem-se como uma substituição metafórica do sentido. Ao mesmo tempo que “mostra”, o artista “esconde” num jogo de relações de texturas, cores e formas que alternam entre a aparência objectiva, reconhecível e a sua metamorfose em alguma “coisa”, em algo abstracto quase “invisível” (ou quase “visível”).
    “As marcas na tela formam uma narrativa – a narrativa pictórica, a qual não representa nem conta nada, a não ser a sua própria produção enquanto complexo de gestos, de procuras, de acções múltiplas. Por muito ilusionista que seja a representação, o corpo do representado só será visto depois da pele da superfície. “(J.Pomar)
   Para Júlio Pomar não existe nas suas obras uma relação fixa ou definitiva entre a imagem e a superfície pictórica . Esta relação assume-se dum modo inquieto, sem limites . Para ele a realidade é agarrada na tela e não representada nela .
"Edgar Poe, Fernando Pessoa e o Corvo", 1985 - Júlio Pomar
“ O representado, se existe, apresenta-se como engodo do «visto» . A obra tende a permanecer aberta, pois o olhar interroga e trabalha o «visto».
   “A abstracção é-me difícil. Digo muitas vezes «coisas». Não me desligo do tocável”.  (J.Pomar)

Nota: Os textos em itálico são excertos de frases da autoria de  Júlio Pomar extraídos de : ”Cahiers de la Différence nº 4” ,  “Da Cegueira dos pintores” e “Entrevista com Helena Vaz da Silva”