Júlio Pomar |
A década de 80 é considerada das mais importantes na obra de Júlio Pomar, quer pela sua qualidade e quantidade , quer pela variedade de temas que aborda , que vão desde os aspectos da cultura popular expressos em trabalhos realizados após as viagens que fez ao Brasil em 87 e 88, até temas de carácter mais erudito, como as séries “Os Tigres”, a “Mitologia”, os “Corvos” e os “Retratos” ( Camões, F. Pessoa, Mário Soares,etc.)
"O Luxo", 1979, Tela da série "Os tigres"- Júlio Pomar |
Muitas destas obras foram feitas e refeitas por diversas vezes antes de dadas por terminadas . O artista exerce uma autocrítica constante sobre a sua obra, levando-o num processo simultaneamente aditivo e subtractivo, a fazer e desfazer, a pintar e repintar o trabalho até que ao seu olhar surja por fim concluído.
"Mascarados de Pirenópolis XIV", 1987 - Júlio Pomar |
Nos seus quadros existe um permanente apelo não só ao que é do domínio da experiência perceptiva , mas também do domínio do táctil. Segundo ele,” a pintura passa antes de mais pelos olhos ” e diz também que “ o olho passa pelo comércio da mão, pelo tocar , a pintura é táctil é um convite à mão “.
Para ele a pintura é um conjunto de marcas de uma ou mais matérias coloridas sobre uma superfície que pode vir a produzir uma imagem. O conjunto das linhas, manchas de cor e texturas dadas pelos empastes de tinta , relacionam-se sempre duma forma dinâmica pela alternância entre figura e fundo.
Frequentemente, na sua obra, o que nos é dado à percepção é uma troca constante entre o que é forma e o que é espaço.
Embora nas suas obras exista sempre uma presença da imagem figurativa, esta não pode ser considerada nos moldes tradicionais e académicos. Existem dois aspectos diferentes que fazem a sua pintura, por um lado a presença dum tema aglutinador à volta do qual a obra se vai construindo com figuras por vezes incongruentes ou aparentemente sem relação ( como os tigres com guarda-chuva de 79/80 ) com raízes certamente no Surrealismo, por outro lado o método de trabalho que está ligado ao Expressionismo Abstracto .
Retrato de Mário Soares - Júlio Pomar |
É precisamente para a simbiose figurativo / abstracto , a meu ver uma das características de maior importância na sua obra , que tento chamar a atenção através da abordagem dos seus trabalhos mais recentes, nomeadamente no que se refere à percepção e à importância das pequenas percepções e das suas propriedades do “invisível sensível” (de que fala M. Ponty). Na leitura das obras as pequenas percepções podem desempenhar , segundo José Gil, um papel idêntico a um código de tradução que traduz de imediato o não verbal noutra linguagem não verbal; as cores em sons, as figuras em gestos, a pintura em poesia, etc.
Para Pomar é no «ver» que a imagem habita prioritariamente e para ele é esse o ofício do pintor, «ver», o que o leva a alterar a tela e a recomeçar de novo inúmeras vezes, até que a evidência legível do objecto primário se desvaneça, se dilua noutras formas e noutros modos de ver. “Mutação e “Transformação” são pois para ele os processos operatórios .
Somos então levados a «ver» de dois modos diferentes correspondentes a duas atitudes perceptivas. Uma em que encontramos os sinais, as ínfimas percepções, as sensações que restam e acompanham a apreensão da forma, do objecto do qual temos conhecimento prévio ou que se relaciona com o título ou tema da obra , outra em que olhamos apenas as formas simplesmente, por si próprias, desligadas de outro sentido que não sejam elas próprias e a que José Gil chama atitude “pré-estética” ou de abstracção.
Júlio Pomar no seu atelier |
A estrutura das suas obras contém em si uma desarticulação ou desestruturação. As formas assumem-se como uma substituição metafórica do sentido. Ao mesmo tempo que “mostra”, o artista “esconde” num jogo de relações de texturas, cores e formas que alternam entre a aparência objectiva, reconhecível e a sua metamorfose em alguma “coisa”, em algo abstracto quase “invisível” (ou quase “visível”).
“As marcas na tela formam uma narrativa – a narrativa pictórica, a qual não representa nem conta nada, a não ser a sua própria produção enquanto complexo de gestos, de procuras, de acções múltiplas. Por muito ilusionista que seja a representação, o corpo do representado só será visto depois da pele da superfície. “(J.Pomar)
Para Júlio Pomar não existe nas suas obras uma relação fixa ou definitiva entre a imagem e a superfície pictórica . Esta relação assume-se dum modo inquieto, sem limites . Para ele a realidade é agarrada na tela e não representada nela .
"Edgar Poe, Fernando Pessoa e o Corvo", 1985 - Júlio Pomar |
“ O representado, se existe, apresenta-se como engodo do «visto» . A obra tende a permanecer aberta, pois o olhar interroga e trabalha o «visto».
“A abstracção é-me difícil. Digo muitas vezes «coisas». Não me desligo do tocável”. (J.Pomar)
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