A IMAGEM NUA
Segundo José Gil, a imagem nua é toda aquela a que falta a significação verbal e que tende e apela ao sentido.
José Gil |
Estamos então (segundo J.Gil) mergulhados num mundo de imagens-nuas, sendo a maior parte das nossas percepções e dos nossos sonhos compostos por elas, a que se associam pensamentos imperceptíveis, os chamados «pensamentos voadores» (Leibniz) que teriam mais tarde muita importância na associação livre e na cura analítica e no material imagético das técnicas de publicidade, do cinema e das artes. São elas que transportam significações mudas e informações mais ricas por vezes que as mensagens verbais.
As imagens-nuas arrastam consigo conteúdos não conscientes de sentido, de não consciência, mas não do inconsciente freudiano.
Gottfried Leibniz |
Estas imagens produtoras de «pequenas percepções» estão associadas a forças e provocam um apelo de sentido estimulando o espírito à procura da significação verbal ausente que irá preencher o seu vazio ou nudez.
Nalgumas obras, como os readymade de Duchamp, o apelo ao sentido é neutralizado pela inadequação das inscrições ou títulos que lhes são postos. Gera-se assim uma oscilação entre imagem e inscrição, na procura dum sentido entre uma e outra que nunca se encontra. No urinol ( Fonte ), faltava o jacto de água (ou urina) , no “Porta garrafas” não existem garrafas, etc.
Duchamp problematizou não só aquilo que se entende por obra de arte, expondo objectos de uso comum, mas a adequação da palavra à imagem. O título ou inscrição não ajuda à compreensão do objecto, não supera aquilo que falta à sua compreensão, não o completa, mas por outro lado reforça essa falta nomeando-a verbalmente e neutralizando o apelo ao sentido através dessa inadequação entre imagem e título.
Aqui não se trata de imagens-nuas, porque o visual não corresponde à palavra, porque esta não atribui sentido ou significado ao objecto que nos é dado a observar e é através da oscilação e da procura de sentido entre estes dois elementos que Duchamp nos mostra que uma obra adquire sentido quando existe uma certa relação com o seu sentido verbal.
A introdução das noções de «força» e «inconsciente» modificou os conceitos clássicos da fenomenologia, principalmente os de «visível» e «invisível.
Existe uma confusão e querela entre o estatuto do invisível e dos seus níveis ontológico e fenomenológico a que Merleau Ponty não conseguiu dar uma resposta definitiva. Ele não identifica totalmente o invisível com o inconsciente, deixando indeterminada essa definição, ou remete o visível para a fenomenologia e o invisível para a ontologia.
Merleau Ponty |
Merleau Ponty não conferia ao «invisível» uma autonomia clara. Para ele o invisível “é a impercepção da percepção”, para J.Gil o invisível “ é o experimentar de modo inconsciente, é um experienciar para além da consciência .” Existe assim, segundo J.Gil, um risco em deixar suspensa a apreensão do invisível da presença do visível. Para ele a percepção do invisível é uma “visibilidade segunda”, é o “avesso” do visível (o forro deste).
É na estética que a percepção do invisível se torna central, pois é na arte, (principalmente na pintura segundo P. Klee) que reside o destino de tornar o invisível, visível, pois é no segundo que se descobre o primeiro. A estética vê o invisível à partida.
AS PEQUENAS PERCEPÇÕES
“As pequenas percepções são afins da percepção artística, são sensações ínfimas, imperceptíveis que acompanham a apreensão de uma forma (pictural, musical ou outra) “ (José Gil)
Para José Gil a percepção estética, enquanto sistema perceptivo instável é revelada através das “pequenas percepções”. Estas são sensações ínfimas, imperceptíveis situadas no centro da própria percepção, também definidas por «fenómenos de fronteira ou de limiar» e são fenómenos “não- conscientes” para os quais terá de ser formulado um novo conceito de experiência, mas não a experiência do sujeito consciente.
“As pequenas percepções garantem a passagem do não-verbal ao linguístico (dum ritmo cromático a um ritmo poético, do gesto verbal ao gesto corporal) Os «signos intervalos» surgem quando se manifesta uma fusão significante/significado ou relação (adequada ou não) entre um título dum quadro e a imagem que o designa. Estes são sempre aderências (ou restos) da expressão ao conteúdo ( e vice versa)."
(José Gil)
(José Gil)
O fenómeno «não-consciente» da comunicação artística caracteriza-se por ser próprio de «fenómenos de limiar» ou de fronteira. Estes fenómenos são apreendidos numa primeira aproximação como pertencentes ao campo das pequenas percepções e não possuem espaço de operatividade próprio, pois dependem em geral do movimento destas por se situarem na fronteira que separa e sobrepõe a consciência e o inconsciente. A ideia do “não-consciente” implica, através das pequenas percepções a consideração das forças e não das formas, ou do modo como as primeiras se inscrevem nas segundas, revelando-nos um fenómeno artístico definido por uma percepção de forças.
Na articulação da noção de “força” e de noção de “pequenas percepções”, reside a autonomia conferida ao invisível, segundo José Gil, o que não acontecia em Merleau Ponty, onde o invisível (polo negativo) dependia do modelo perceptivo do visível (polo positivo). As noções de “força” e “intensidade” vêm assim transformar as noções clássicas de “visível” e “invisível” .
“ A experiência estética é antes de mais nada uma experiência específica de dissolução do sujeito. É uma experiência de forças e intensidades, porque implica processos de intensidade e génese de formas que constituem a própria emergência dos signos. Sou contra uma estética que semiotiza completamente a obra, porque me parece que o que se joga na obra de arte é precisamente como nascem, como se formam os signos”
“O olhar está sempre em oscilação entre uma percepção das formas tal como elas se apresentam e uma percepção que não é trivial. Esse equilíbrio instável é próprio da estética. Olhamos para um quadro e vemos aquilo que nos é dado pela percepção trivial. De repente o olhar tem uma espécie de vertigem e passa para um outro olhar, é aí que a percepção deixa de ser trivial e se torna estética. Ao mesmo tempo aparecem as pequenas percepções, que não são da ordem da claridade perceptiva, estão (tal como o inconsciente) no centro da claridade e da consciência, mas são estas pequenas percepções as vias de acesso que revelam os outros sistemas perceptivos meta-estáveis. ” (José Gil)
Olá, Antônio Damásio, eu adorei!
ResponderEliminarPoderia me fornecer a referência bibliográfica deste trecho: “ A experiência estética é antes de mais nada uma experiência específica de dissolução do sujeito. É uma experiência de forças e intensidades, porque implica processos de intensidade e génese de formas que constituem a própria emergência dos signos. Sou contra uma estética que semiotiza completamente a obra, porque me parece que o que se joga na obra de arte é precisamente como nascem, como se formam os signos”?
Está em qual livro do José Gil?
Abraço
Tânia