quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

MOVIMENTOS ARTÍSTICOS - DADÁ

  
O movimento Dadá
Hugo Ball no cabaret Voltaire apresentando
 o manifesto do movimento dada



“DADA não significa nada.

 nós queremos mudar
 o mundo com nada”
Richard Huelsenbeck
   

“Liberdade: DADA, DADA, DADA
 chorando abertamente as dores
 constringidas, engolindo os contrastes  
 e todas as contradições, os grotescos
 e as ilógicas da vida.”
 Tristan Tzara

” A arte morreu.
 viva DADA!”
 Walter Serner


“DADA é o sol,
 DADA é o ovo.
 DADA é a polícia
 da polícia.”
 Richard Huelsenbeck

O dadaísmo é alguém
que tem a paixão de viver em todas
as sua formas libertas e
que sabe e diz: A vida não está aqui,
mas da, da (ali, ali)!”                                                                 
  Johannes Baader  



   O movimento dada foi fundado em Zurique em 1916 por poetas, artistas e intelectuais de várias nacionalidades exilados na Suiça durante a primeira guerra mundial expandindo-se posteriormente para outros países da Europa e Estados Unidos.
   Alicerçado no clima de contestação artística (futurismo e expressionismo) dos anos que antecedem a Primeira Guerra Mundial, a sua atitude subversiva e uma reação anticultural veemente, tão ao estilo da intervenção dadaísta, contribuíram, durante muito tempo, para escamotear aos olhos da crítica tradicional - primeiro alvo de dadá - a contribuição profundamente inovadora deste movimento.    É ao movimento dadaísta que se fica a dever o aparecimento, na Europa ocidental, da poesia fonética e da poesia do fotograma, da assemblage, bem como o desenvolvimento da fotomontagem e da ação teatral (futuros happenings), promovida a género artístico autónomo.
Alfred Barr organizou em 1936 a  exposição“Fantastic Art, Dada and Surrealism”
   A compreensão do dadaísmo foi obscurecida pela união dadá-surrealismo que se repercutiu durante muito tempo na historiografia da arte elaborada depois da Segunda Guerra Mundial, em França e nos EUA. Esta confusão resulta, em parte, da assimilação acrítica da exposição organizada por Alfred Barr, "Fantastic Art, Dada and Surrealism" (MoMA, Nova Iorque, 1936) e, sobretudo, da ação de recuperação operada pelos surrealistas parisienses.   
   Tendo-se afastado muito cedo do meio dadaísta (1921), André Breton faria circular a tese de um movimento dadaísta como antecâmara da epopeia surrealista. Na verdade, as coisas passaram-se de outra maneira. Sem diminuir o interesse do surrealismo, deve sublinhar-se a originalidade do dadaísmo, a sua riqueza e, sobretudo, uma problemática que se distancia em todos os aspetos da do surrealismo. . No domínio das artes plásticas, a confusão só era possível em Paris, já que Max Ernst, artista cuja obra serviu de ponto de partida à pintura surrealista parisiense, foi inicialmente dadaísta. O primado da literatura, objetivo da estética de Breton, fez o resto.
Max Ernst, Colagem
   As ideias de uma Arte Abstrata ligada a valores espirituais (Hugo Ball), desenvolvidas em Munique, somam-se às do segundo ciclo do futurismo italiano. No plano estritamente formal, as possibilidades de o cubismo sintético abrir caminho à Arte Abstrata são equacionadas por Hans Arp e Van Rees. 
Cabaret Voltaire - 1916 e Hoje
Hans Harp e Tristan Tzara

  Por iniciativa de Hugo Ball, as primeiras sessões "subversivas" têm lugar no Cabaret Voltaire. A centelha criadora trazida pelo jovem emigrante romeno Tristan Tzara permitirá a eclosão do primeiro grupo dadaísta em Zurique, no qual desempenha o papel de organizador e teórico. A escolha do termo "dadá", forjado ao acaso enquanto desfolhava um dicionário de francês-alemão, simboliza o procedimento iconoclasta dos jovens artistas. Adotada de forma aleatória, esta palavra que em francês,  na linguagem infantil,  significa “cavalinho” não significa nada para eles, mas designa essa arte em  devir, sem referência ao mundo antigo e cuja matéria é constituída por fragmentos da língua, do mesmo modo  que as assemblages dadaístas se formam a partir de farrapos da vida real. Esta vida real que a arte académica recusava integrar no seu Olimpo, essa vida cantada por Apollinaire, aviltada pela hecatombe da guerra, encontra-se assim revalorizada e nobilitada.
   O objetivo da ação dadaísta consiste em elevar a realidade do quotidiano ao nível de matéria artística, abrangendo todos os domínios da arte, pois os interesses de Dadá estendem-se desde as artes plásticas à fotografia, à poesia, à luz e ao teatro. Esta revalorização do material e democratização da arte conduzem a uma abolição dos géneros: os limites entre pintura e escultura são anulados, as artes "decorativas" deixam de ser uma categoria "subalterna", desaparecem as fronteiras entre a dança e o teatro entre a música e a poesia. Uma vez abolida a narrativa "realista", a plástica dadaísta, que tende para a Arte Abstrata, ultrapassa igualmente esta última categoria. Contrariamente aos absolutismos da   primeira   abstração  (Kandinsky,  Malevitch,  Mondrian), interessados na elaboração de gnoses universais, Dadá dedica-se a valorizar a personalidade de cada fragmento de vida. Dado o preciosismo de cada instante, a vida merece ser vivida em cada uma das suas facetas; cada detalhe ou dejeto é precioso, pois pode significar o todo. Daqui decorre a atenção prestada ao material na sua mais ínfima realidade: o fragmento do qual se exaltam os valores texturais, a sílaba da qual se canta o ritmo, o mais pequeno fragmento de objeto ou o objeto encontrado ao acaso do qual se aprecia o valor absoluto. A assemblage polimaterial que, nos seus primórdios futuristas, tinha obedecido a valores ligados à realidade mimética (Boccioni), e se exprimira por via da fragmentação cubista e mais tarde não objetiva das formas (Archipenko e Tatlin), conquista agora as regiões do acidental. O inconsciente adquire não só direitos de cidadania na arte como se torna seu conceito regente.
   A partir de 1916, a prática da colagem e da assemblage tranforma-se numa das constantes da produção dadaísta, florescendo a partir de 1919 numa obra notável como a de Schwitters. 
Kurt Shwitters, Colagem
A nova atitude em relação à linguagem conduz os dadaístas ao poema fonético (Hugo Ball a partir de 1916, Hausmann em 1918 e mais tarde Kurt Schwitters). A manipulação de materiais em bruto leva Christian Schad a inventar o fotograma, "Schadographs.") por sua vez notabilizado através do trabalho de Man Ray.
Raoul Hausman, Poesia fonética
 A primeira recolha digna de nota “Les Champs délicieux”, é publicada em 1922, com um prefácio de Tzara. Raoul Hausmann, sempre ávido de novidades, demonstra muito interesse por esta técnica da imagem, que, com Moholy-Nagy, atingirá o seu auge no seio do construtivismo.
Cristian Shad, Schadograph

 A pintura, codificada por séculos de prática mimética, é fortemente atacada pela contestação dadaísta. Não existe, no entanto, uma pintura dadaísta na aceção literal do termo. Esta é substituída pela colagem (da mesma forma que a assemblage monumental substitui a escultura).
Man Ray,  Rayograph
    A figuração é posta em causa através de uma atitude antipictural, iconoclasta nos seus processos e antissublimativa pelos seus temas. A prática artesanal e a exaltação da pincelada (impressionista ou fauvista) - "assinatura do artista" - são rejeitadas. Opõem-se-lhes formas de execução mecânica. Na pintura, o dadaísmo serve-se de imagens tecnológicas executadas de forma "mecanicista" (Picabia, Marcel Duchamp, Hausmann). A glorificação sarcástica da máquina - "filha nascida sem mãe" (Picabia) - elimina o tema tradicional ao qual fauvistas e expressionistas haviam dado vigor. Este é igualmente abandonado em benefício do acidental, agora elevado ao nível de processo estilístico.
Francis Picabia, Pintura
   A subversão dos valores sociais e morais traduz-se na pintura pela subversão do símbolo figurativo: Picabia intitula uma mancha de tinta de “La Sainte Vierge”, enquanto Duchamp expõe, em 1917, o seu célebre urinol, ao qual dá o nome de “Fontaine”. Esta agressão generalizada à ordem sociocultural leva os dadaístas a conduzir numerosas intervenções antiliterárias em Paris (procés Barrès, 1921) ou políticas em Berlim (Baader). 
Picabia, "La Sainte Vierge"
   O arranque de Dadá-Zurique é acompanhado por uma profusão de publicações, entre as quais se destacam as de Hugo Ball e, sobretudo, as de Tzara (a revista Dadá). Os ecos do movimento chegam a França. Picabia entra em contacto com Tzara e convida-o a visitar Paris em 1919. É o início do efémero movimento dadaísta parisiense: a partir de meados de 1921, Tzara distancia-se de Breton que em 1920-1921 surge como elemento principal do grupo parisiense. O modo de intervenção típico do dadaísmo é o manifesto. Os dadaístas redigem uma grande quantidade de proclamações editadas em publicações não menos efémeras.
   Em maio de 1920 é organizado um Festival Dadá em Paris, a que se segue, em 1921, um salão Dadá na Galeria Montaigne, que marca o auge do dadaísmo parisiense e o início do seu fim. As atividades de Dadá-Paris são, desde o início, minadas pela perspetiva literária de Breton que, durante toda a sua vida, permanecerá fiel a uma visão classicizante da literatura, e que irá defender o primado desta última sobre a pintura. Radicalmente diferente é a posição dos dadaístas alemães. Os contactos entre Zurique e Berlim estabelecem-se a partir de 1918, graças à chegada de Huelsenbeck à cidade alemã. Ali encontra um ambiente propício e, sobretudo, cruza-se com a dupla revolucionária formada por Baader e Hausmann, que estão na origem do Clube dadá de Berlim (1918), bem como da maior parte das ações dadaístas.
   É em  Berlim que ocorrem as mais importantes manifestações do dadaísmo no domínio das artes plásticas: a exposição de colagens de Schwitters na Galeria Der Sturm (1919), por ocasião da qual publica o seu "manifesto da pintura" Merz, e a exposição da primavera de 1920, "Erste Internationale Dada-Messe" (Feira Dadá). Nesta manifestação que representa o apogeu do movimento dadaísta berlinense triunfam as fotomontagens de Hausmann e Grosz, bem como uma assemblage monumental de Baader, intitulada “Grandeza e decadência da Alemanha”. A exposição prolonga-se com a publicação do “Dada-Almanach” de Huelsenbeck, o qual, apesar das manipulações do autor, favorece o conhecimento do movimento. A fotomontagem prolifera posteriormente na obra política de Heartfield, enquanto a colagem e a assemblage abstrata ganham novo fôlego na obra de Schwitters. Este, associado aos valores líricos de uma criação expressionista pelo conteúdo, e abstrata pela forma, não tem a mesma predisposição dos colegas berlinenses para as ações políticas. Mantendo uma relação de amizade particularmente calorosa com Hausmann e Hoech, não chegará a ser oficialmente convidado a integrar o grupo. Instalado em Hanover, cria o seu próprio universo plástico, ao qual atribui a designação "Merz". Schwitters é certamente o artista que melhor encarna o ideal dadá. O facto de ir viver para Inglaterra lança as sementes do dadaísmo do outro lado da Mancha e, mais tarde, no continente americano.
Kurt Shwitters, "Merz"
    Converte-se em pai espiritual da Pop Art inglesa e nova-iorquina, para o nascimento da qual a sua exposição na Galeria Sidney Janis (1947-1948) é fundamental.
    A expansão do dadaísmo alemão chega, no início dos anos 20, à Bélgica e à Holanda. Por sua vez, a influência de dadá-Paris repercute-se na Polónia (manifestos de Witkiewicz) e na Sérvia (Dada Jok de Branko Poljanski). Nos anos 1917-1919, Colónia conhece igualmente as atividades dadaístas, sendo Max Ernst a figura principal. A sua partida para Paris coloca um fim a este episódio renano do dadaísmo. Na Rússia, um movimento de tipo dadaísta tem o seu início após a revolução de outubro. Pouco estruturado, integra os "futuristas da vida" (Goltzschmidt) e os "apologistas do nada" (os nitchevoki), mas as suas criações limitam-se a intervenções efémeras que não atingem o domínio das artes plásticas.
   Em meados da década de 20, a estética dadaísta adquire particular relevo no campo da poesia: o grupo Oberiu (do qual se destaca o poeta Harms), ativo em Petrogrado em meados dos anos 20, beneficia do apoio de Malevitch e do Instituto de Cultura Artística que dirige.
   O grupo dadaísta de Nova Iorque constitui-se muito cedo, organizando-se em torno da Galeria 291, do fotógrafo Stieglitz. Em 1915, a adesão de Duchamp e de Picabia ao grupo constitui um grande estímulo para as atividades de tipo dadaísta, culminando na descoberta de um talento genuinamente americano, o pintor e fotógrafo Man Ray, cuja partida para Paris põe fim ao dadaísmo americano. Para além de algumas publicações efémeras, Dadá-América prolonga-se nas atividades de Duchamp, cuja obra é muito apreciada. Arensberg e Dreier permitem que este movimento sobreviva até meados dos anos 20. A Primeira Guerra Mundial é igualmente responsável por uma outra viagem - "turística" - das ideias dadaístas. 
Marcel Duchamp, "A Noiva"
   Refugiado em Barcelona, desde finais de 1916, Picabia reaviva num meio amistoso as ideias do Cabaret Voltaire. Daí resulta a revista 391, um guia de marcha que caracteriza as peripécias de uma geração de artistas francamente hostis à guerra e alheios à histeria coletiva. Para compreender a liberdade destes criadores em relação à "camisa de forças" nacionalista, basta ler as páginas enraivecidas que Hitler dedica ao dadaísmo em Mein Kampf (1924), barómetro seguro do valor profundamente inovador do movimento dadá.




(Estes textos foram escritos ao abrigo do novo Acordo Ortográfico)





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